O meu Amigo partiu. Partiu e deixa saudades em quantos tiveram o privilégio de o conhecer. Várias gerações o escutaram, admiraram e com ele aprenderam...até mesmo os que o consideravam um visionário, um sonhador, uma utopia sempre em mente...vinte ou trinta anos à frente da maioria...
Se a memória me não atraiçoa, foi em fins de 48 (ou terá sido 49?) que o meu Pai foi colocado em Arcos de Valdevez. A casa destinada aos magistrados não tinha um mínimo de condições e foi decidido ficarmos no Hotel Ribeira.Não estarímos instalados há mais de uma hora e já o jovem proprietário convidava a menina (11 anos espigados) para um passeio de barco.Ai, que medo, eu nunca pusera os pés senão em terra! E lá fui....Pois quando, volvidos uns dois anos, o meu Pai voltou a ser transferido,não só sabia remar e controlar um pequeno barco, como sabia nadar, andar de patins e de bicicleta...e estudava inglês com a ajuda de um linguofone (estará certa a ortografia?)na companhia do meu bom Amigo...recordações de criança que ficarão para sempre.
Tempos depois, a esposa do meu Amigo teve um bébé.E foi com grande entusiasmo que lhe fiz a primeira caminha!Um bébé! Uma boneca viva! que alegria!
Nas horas de aflição com a doença do meu Pai, foi este querido Amigo várias vezes a Lisboa visitar-nos, confortar-nos, apoiar-nos .
Quando, um dia, resolveu fazer carreira em África, nunca deixou de contactar, escrevendo cartas preciosas com relatos e comentários `as suas aventuras, cartas que eram testemunho do seu empenhamento em criar à volta de quem com ele trabalhava um ambiente de progresso e bem estar, no que era inteiramente apoiado por uma família dedicada...As suas preocupações pela ecologia e pelo social já eram notórias e vieram a intensificar-se no seu dia a dia após o regresso a Portugal.
Quanta conversa; quanta história, quantas perguntas, tantas respostas inusitadas, inteligentes, "avançadas", loucas, diriam alguns.E quantos conselhos! Quando a nossa cabeça parecia ter "dado um nó", aí rumávamos nós a Afife, a aclarar as ideias, para tomar decisões, fazer escolhas, optar por este ou aquele caminho...! Sem dramas. Com alguma ironia, tantas vezes com aquele humor castiço, à moda do Minho! Como dizia o "Tone" ,ou o Ti Manel. Ou a senhora Rosinha. Sei lá! os nomes até podem nem ser estes; e também não faz mal. Todos eram referidos com graça,mas sempre com respeito.
A morte pode roubar-nos um corpo. Mas não nos leva as gratas memórias, as imagens de um são convívio e duma sólida amizade, que passou de pais para filhos e já vai nos netos.
Um aprendeu com ele a acender uma lareira, outra segue à risca os princípios da reciclagem, da compostagem , da fertilização biológica...eu crio as plantas que me foram ofereidas em vasinhos e hoje invadem o meu quintal...e todos recordamos a voz característica, de cana rachada, dizia ele, que nos saudava à chegada e nos desejava, `a partida, boa vigem "vão com cuidado, há para aí uns "gajos" malucos na estrada..."
Ai que saudade, meu Amigo! Como lamento não ter rumado com mais frequência a Afife...
Descanse em paz. Merece, pois, em vida, contribuiu para a fomentar no seu meio, pelo trabalho, pela dedicação às causa dos mais desprotegios, pelo exemplo de uma vida sá,equilibrada, sem a fobia do "ter" destes tempos,muito mais empenhado no "ser", sendo...sendo um ser de excepção. Que nos orgulhamos de ter tido por Amigo.